Endireitamento

Os gregos antigos se organizavam socialmente em cidades-estados, conhecidas entre eles como pólis. O homem livre, grego, nascido na pólis, era chamado de politikós. Estes, eram os indivíduos que participavam das decisões acerca da condução da pólis. Reunidos nas Ágoras (praças gregas), deliberavam sobre a defesa da cidade, a construção do espaço público, as atividades econômicas e todos os assuntos relacionados com o contexto público e o bem comum. Nesse sentido, a política é uma prática ou ação humana voltada para a construção coletiva de um espaço público onde seja possível assegurar e vivenciar o bem comum. Aqueles que, diferentemente dos politikós, não participavam da vida pública, eram conhecidos como idiótes (mulheres, escravos, estrangeiros). Mais tarde esse termo foi usado pejorativamente para identificar os que possuíam limitações cognitivas para adequada compreensão e manifestação.

Apesar da costumeira desconfiança e das comprovadas maracutaias que nos desmotivam a participação política, somos chamados à responsabilidade, a cidadania, produzindo o cuidado divino nas exortações para com as autoridades; afinal, dizem respeito à nossa vida diária: moradia, alimentação, estudos, saúde, religiosidade, esportes, liberdade de expressão, segurança, emprego, dentre outros. Consciente ou não a política nos move, nos envolve.

Como cristãos a responsabilidade é iniciada pela necessidade de consciência política, o que, biblicamente, se encaixa no famoso, mas difícil, discernimento. Mas, infelizmente, a igreja tem-se mostrado inoperante quanto a esta tarefa em fases de sua história, tornando-se medíocre em suas críticas, assim como a maior parte da sociedade que participa efetivamente da destruição do patrimônio público e privado; que não coopera com a manutenção da cidade; que não contribui com ideias e trabalho, mas que, diante da consequência prejudicial de seu próprio descaso, irremediavelmente culpa o governo por toda catástrofe existente.

Diferentemente destes, a igreja, que tem a responsabilidade da diferença (sal na terra e luz no mundo), tem de assumir sua tarefa que se apresenta de forma implícita e explícita. Implicitamente, honrar, obedecer, cumprir a lei, rejeitando o jeitinho que em nada se alinha ao padrão de santidade de seu Senhor (1Pedro 2.13-17; Tito 3.1-2). Ao contrário de se entregar à tentação do falar mal, do difamar, a igreja deve interceder por aqueles que são autoridade por decisão Soberana (1Timóteo 2.1-2).

É impressionante como o “povo de Deus” encontra enorme facilidade e disposição de passar e-mails e de conversar difamando e criticando as autoridades governamentais; mas, em contrapartida, encontra teimosa dificuldade em interceder em favor destes. Parece que a igreja sofre de amnésia quanto a esta tarefa.

Explicitamente, a tarefa da igreja é a de proclamar a verdade, o evangelho que traz a mensagem de Deus quanto à salvação e a vida (o que inclui, em muito, a política). O evangelho é o poder de Deus para salvação (Romanos 1.16). É a lei de Deus para a mudança de vida, que envolve santificação (Filipenses 3.12-16). É a proclamação da ética divina que realça o amor, a imparcialidade, desnudando a mentira, o orgulho, a inveja, a dissensão (Provérbios 6.16-19; 11.1-2; Colossenses 3.5-11; Tiago 3.13-18).

Mediante este proceder a igreja tende a uma expectativa realista. Fico surpreso com o cristão (principalmente o líder) que se surpreende com a corrupção, a conduta pecaminosa entre os políticos, deixando-se desanimar, abater. Qual a surpresa? O que esperar de pessoas que não tem o Criador como referência? Ele já afirmara que este mundo jaz no maligno (1 João 5.19) e que o homem natural não entende as coisas espirituais (1 Coríntios 2.14-16); então, o que esperar, perfeição, ética impecável? O cristão que assim se apresenta ou não conhece as Escrituras devidamente ou não leva a sério suas afirmações. É exatamente por isso que somos chamados a fazer a diferença no mundo. Assim, nossa expectativa não deve ser a de perfeição por parte destes, algo impossível até para nós, enquanto possuidores desta natureza pecaminosa.

Neste aspecto o pastor (o líder) é figura essencial, ao exortar o povo a interpretar a realidade de seus dias, tendo como referência (1) as informações acerca da estrutura deste mundo e (2) os princípios de Deus para a vida. A primeira nos mantém atentos para a realidade do pecado e do uso do poder na sociedade para mantê-la aprisionada segundo o curso deste mundo que é segundo o príncipe da potestade do ar, a fim de que todos vivam, segundo as inclinações pecaminosa de sua própria natureza (Efésios 2.2-3). A segunda, nos mantém afastados da influência da primeira, conduzindo-nos à vida abundante compartilhada por Cristo, ao ensinar a santidade em nossas relações pessoais e a pureza nas decisões e ações que corretamente, sempre beneficiará o próximo.

Vivemos dias, em nosso país, em que há um clamor popular por justiça; mesmo que seja por meio de um discurso incompleto e carente de coerência. Como igreja, devemos concordar que a injustiça deve cessar. Mas, que comece em nós e se espalhe através de nós. Não podemos ser tolos, atribuindo toda injustiça a um partido político, ignorando a generalização dos problemas na estrutura política do país, que aprendeu em sua história a ser corrupta.

Entendo que para muitos, este partido representou a esperança de mudança com a tão sonhada pureza nos corredores do poder e que a decepção foi profunda na constatação de sua igualdade aos demais na impureza, produzindo esta caça às bruxas, tendo-o como representante, agora, de todo o mal existente na política. Mas, até nas horas de tensão somos chamados ao equilíbrio nas interpretações e ações. O sistema é corrupto porque a sociedade, a igreja, a família compartilha desta corrupção. Por isso, independentemente de que as mudanças aconteçam, temos de começar por nós a cura da maldade. Como disse o Senhor a Israel: “Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante de meus olhos; cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas” (Isaías 1.16-17).

Reconheçamos nosso pecado e assumamos a vida em santidade, a começar pelo endireitamento de nossas relações pessoais e de nossos negócios. Se, servirmos de modelo e estímulo para a sociedade, todos serão beneficiados, mesmo que por um pouco. Se, não, pelo menos, adoraremos o Santo e seremos livres em nossa consciência, não compactuando com o mal e, ainda, cumpriremos com nossa tarefa de “proclamar as virtudes daquele que nos tirou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pedro 2.9).

1 comentário

  1. Entro em conflito em dever orar por nossos governantes e saber da forma inadequada de governar deles. Procuro então pensar que a Palavra do Senhor é nossa regra de fé e prática. E desta forma consigo separar o pecador e seus atos pecaminosos, pois Deus ama o pecador mas abomina o pecado. Em alguns momentos nossa mente humana e limitada nos move ao sentimento conflitante de “não orar por esses corruptos”, entretanto da forma como estamos sendo transformados e aperfeiçoados no Senhor, essa mesma mente estará sendo renovada e certamente estaremos mudando nossa visão e deixando de ser “idiótes”.

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