A salvação é pela graça, no sentido de que é um presente de Deus a quem mereceria o juízo eterno. Não é por merecimento; não é por aquisição; não é por troca de favores. Em sua eternidade, Deus amou e nos escolheu para seu povo. Assim, planejou, e providenciou para que seu plano fosse executado. Isso está revelado em textos como o de Isaías (43.10-13): “Vós sois as minhas testemunhas; diz o Senhor, o meu servo a quem escolhi; para que o saibais, e me creiais, e entendais que sou eu mesmo, e que antes de mim deus nenhum se formou, e depois de mim nenhum haverá. Eu, eu sou o Senhor, e fora de mim não há salvador. Eu anunciei salvação, realizei-a e a fiz ouvir; deus estranho não houve entre vós, pois vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor; eu sou Deus. Ainda antes que houvesse dia, eu era; e nenhum há que possa livrar alguém das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá?”.
Essa salvação não se deu com o fim de ficarmos livres; nem com o objetivo de que, sendo livres vivêssemos autonomamente. Não há liberdade; nem espaço para libertinagem (modo libertino, irresponsável de viver). Assim há uma salvação que nos amarra a um plano previamente estabelecido; cujo caráter é definido pelo autor do plano – Deus.
Seguindo o entendimento básico do texto, nossa tarefa, incluída em nosso novo estado, é a de testemunhar. E este testemunhar deve ser amplificado à luz do que a Revelação exige. Então, objetivamente, consideremos suas implicações.
1. Implica em adoração.
Como expõe o texto: “vós sois minhas testemunhas”. Esta palavra tem a ver com a esfera legal ou judicial. Aquele que pode confirmar legalmente. Aquele que assina um acordo. Aquele que pertence ao contexto do tratado. E nesse caso somos diretamente os beneficiados, pois somos testemunhas da ação de Deus em nosso favor; isto é, recebemos os benefícios de um acordo gracioso, e podemos, então, declarar nossa identidade e os benefícios recebidos por sua consequência. Por isso, ele afirma: “para que o saibais, e me creiais, e entendais que sou eu mesmo, e que antes de mim deus nenhum se formou, e depois de mim nenhum haverá”.
O resultado desta ação graciosa de Deus, e dos benefícios que chegam até nós, deve ser testemunhado em adoração. Reafirmar a identidade do Salvador e beneficiador; e dispensar-lhe gratidão. Assim, a adoração está ligada, primeiramente ao conhecimento de Deus. É necessário conhecer aquele do qual temos de testemunhar. Por isso, a ênfase no texto: “para que o saibais, e me creiais, e entendais que sou eu mesmo, e que antes de mim deus nenhum se formou, e depois de mim nenhum haverá. Eu, eu sou o Senhor, e fora de mim não há salvador”. Sem conhecer é impossível falar de alguém, quanto mais testemunhar acerca de quem é a pessoa, e do que ela faz.
A adoração também está diretamente ligada ao ter uma experiência de relacionamento com Deus; pois ela também implica em espírito de gratidão. Isto é, compreender que os benefícios recebidos vêm do Senhor. Não somente a exclusiva salvação, mas também seu desenvolvimento – libertação da escravidão do pecado; capacidade de discernir; visão amplificada do mundo e da vida; poder para mortificar os feitos da carne; poder para mudanças profundas no caráter; poder para perdoar, para amar, para cuidar, para doar-se, entre tantos outros benefícios. Somente em experimentar tais coisas, tornar-se possível adorar ao Senhor com espírito de gratidão. É o que Paulo exorta aos colossenses (3.16): “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão em vosso coração”.
2. Implica em proclamação.
Como prova viva da ação poderosa e benéfica de Deus, devemos proclamar tais coisas. Proclamar a ação soberana do Senhor: “Ainda antes que houvesse dia, eu era; e nenhum há que possa livrar alguém das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá?”. Eu sou testemunha, nada pode impedir sua determinação. Interessante a forma como o texto é concluído. Uma pergunta que pressupõe uma reação imediata das testemunhas, respondendo que absolutamente nada pode impedir a ação do Senhor, já que ele é Senhor; e que suas testemunhas são prova viva de sua ação no mundo.
Escolhi o texto em Isaías, representando o Primeiro Testamento, para mostrar que esta realidade revelada se dá em toda a Revelação; e, portanto, se estende tanto a Israel como a Igreja. É a realidade daquele que pertence ao Senhor; daquele que se torna parte de Seu povo. E para comprovar esta realidade estendida também no Segundo Mandamento, quero considerar o texto de 1Pedro 2.9-10: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia”.
Esta proclamação exortada por Pedro tem duas implicações. Primeiramente, refere-se, especialmente a algo a ser compartilhado aos incrédulos, aos de fora do povo. A palavra usada por Pedro tem o significado primário de “contar para fora”. Logo, o foco aponta prioritariamente para aquilo que a igreja chama de evangelização. Mostrar, expor Deus aos outros. Esta perspectiva segue a revelada do Primeiro Testamento, como no texto de Isaías que consideramos.
E uma segunda implicação desta proclamação é encontrada no significado secundário da palavra usada por Pedro de “proclamar por toda a parte, publicar completamente”. O foco aponta para uma proclamação que para ser completa deve incluir o todo de quem a proclama; logo, deve ser algo que vá além do discurso, incluindo sua experiência de vida.
É por isso que o evangelho soa como uma proclamação escandalosa para muitos, quando misturado com um testemunho que destoa de seu conteúdo. É um escândalo para qualquer um o apresentar o Deus Santo e transformador da vida, tendo uma vida envolvida em pecado e um caráter duvidoso, ou claramente desqualificado.
Por isso que o Senhor através de Isaías afirma que: “Eu, eu sou o Senhor, e fora de mim não há salvador. Eu anunciei salvação, realizei-a e a fiz ouvir; deus estranho não houve entre vós, pois vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor; eu sou Deus”. É preciso ser testemunha. É preciso que a vida testifique as palavras de que Deus salva e transforma. E de que vale a pena.
É por isso que o Senhor através de Pedro afirma que: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. Houve mudança em nossa identidade, em nossa participação coletiva; e esta mudança deve redundar em proclamar o Senhor da mudança.
3. Implica em servir.
E, como parte deste testemunho, somos conduzidos a servir. O termo é aqui usado tanto como ênfase – testemunhamos ao servir, servimos ao testemunhar – quanto para especificar nossa ligação com Cristo, o Servo escolhido (Isaías 42.1; 53.11).
E, seguindo seu exemplo, este servir implica em atuar em benefício de Seu povo, de Seu corpo; hoje, a igreja; naquele tempo, Israel. “Vós sois as minhas testemunhas; diz o Senhor, o meu servo a quem escolhi”. A ideia de servir está difundida em toda a Revelação. O próprio Senhor Jesus Cristo afirmou que isto estava implícito em seu ministério, e que o mesmo se daria a todos os seus (Mateus 20.26-28).
E, por isso, os apóstolos, como Pedro, ensinou a igreja a fazê-lo (1Pedro 4.10-11). O servir está implícito em ser povo de Deus; em ser discípulo de Cristo, e ter de fazer como o Mestre. A capacidade de servir está incluída no projeto do Senhor (dons, v.10). E o propósito deste servir é o mesmo da proclamação e adoração: glorificar a Deus (v.11).
Fomos salvos para quê?
Não fomos salvos simplesmente para sermos libertados da escravidão do pecado, ou livrados da condenação eterna. Não fomos salvos para perambularmos pelo mundo, admirando, suspirando e ansiando por coisas que preenchem a alma daqueles que não vivem com Deus; como se estivéssemos desconectados dEle.
Fomos salvos para servir ao Senhor e aos seus propósitos. Fomos salvos para testemunhar do Salvador, proclamando sua glória e cantando sua graça; e, salvos para servir, em conformidade com o dom que recebemos.
Este tem de ser o propósito de nossa nova existência. E, não há outro sentido e propósito para nós, revelado nas Escrituras.
O quanto sua vida e seu servir tem redundado em glorificação ao Senhor?